terça-feira, 24 de maio de 2022

RAIMUNDO NONATO: MESTRE DO DIREITO E PARADIGMA DE DIGNIDADE (Á GUISA DE PREFÁCIO DO LIVRO HOMÔNIMO)      

*Adalberto Targino

    Sei, como Goethe, quão inúteis são os prefácios, posto que, quanto mais se tenta explicar os nossos propósitos, mais distantes ficamos do nosso objetivo, mercê, principalmente, daquele sentimento já anteriormente capturado por Manoel Bandeira: “a maioria dos leitores não faz caso dos prefácios”.
Tenho, apesar disso, o dever funcional e o sentimento interior de admiração que me impõem a obrigação de dizer por que e como surgiu a idéia da composição deste livro, como edição especial da Revista da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Norte, numa justa homenagem ao Procurador do Estado RAIMUNDO NONATO FERNANDES, cuja história de homem público é a síntese de uma geração de grandes e de festejados professores que se notabilizaram pelo trinômio: ética, competência e erudição.
    Devo explicar, de pronto, por que escolhi o título “Mestre do Direito e Paradigma da Dignidade”. Mestre, pelas lições que, ao longo dos anos, ilustraram e robusteceram a formação profissional de incontáveis operadores do Direito. Paradigma, como marco, pelo exemplo que o faz singular como critério de verdade, de qualificação, de ética e de dedicação a ser cultuado no labor jurídico.
Originária do grego parádeigma, com o sentido de verdade incontestável, a definição bem se ajusta à percepção coletiva do homenageado RAIMUNDO NONATO FERNANDES, quer como advogado público irretocável, quer como mestre dedicado, quer como cidadão exemplar.
    Nessa linha de pensar, faço minha a assertiva do escritor Antônio Cândido, ao afirmar que “o povo brasileiro necessita da preservação do passado épico, legendário, exemplar”. Por essa trilha caminhou a pesquisa realizada sobre a vida e obra do homenageado. Direta, sem ser rasa. Técnica, sem a chatice do tecnicismo. Sensível, sem pieguice.
    O Professor RAIMUNDO NONATO FERNANDES, como todo mestre preocupado com os seus discípulos, evolui com o tempo e com o contato cotidiano com os jovens, firmando, pelo convencimento, na consciência dos seus incontáveis alunos o germe da ética e da decência, num chamamento permanente para o diálogo e para uma nova caminhada.
    O Dr. Raimundo Nonato é, para gáudio nosso, um operador do Direito acima de qualquer suspeita. Íntegro, honesto, de sólida formação acadêmica, e com inestimáveis e relevantes serviços prestados ao Estado. Por seu talento e saber jurídico desfruta da admiração da Ordem dos Advogados do Brasil, Procuradoria Geral do Estado, Consultoria Geral do Estado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Academia Norte-rio-grandense de Letras, Instituto Histórico e Geográfico do RN, Academia de Letras Jurídicas do RN e em incontáveis instituições públicas e privadas, quer jurídicas, educacionais ou culturais.
    No seu munus publicum de advogado sempre pugnou pela sua essencialidade à Justiça e ao próprio regime democrático, não sendo jamais mero espectador dos fatos, mas um ativo protagonista na administração da Justiça.
Contemporaneamente, o advogado se encontra inserido, ex vi legis, em igual patamar hierárquico da magistratura e do Ministério Público. A Constituição Cidadã assim o quis e assim o colocou (art. 133). Antes, porém, juristas como o Dr. Nonato é que norteavam o tratamento respeitoso e equânime entre os personagens do tripé da Justiça. E graças a causídicos como ele é que galgamos o grau de respeitabilidade e dignidade profissional atualmente inseridos na Lex Mater e na Lei reguladora da categoria (Lei nº 8906/94).
Ademais, a luta pelo direito, para usar o título da obra clássica de IHERING, é um dever do cidadão e mais ainda do cidadão-advogado, pois só ele, atuando com destemor e arrimado na lei, permite uma ordem sem medo e uma sociedade realmente democrática e plural.
    Com a sua retilínea trajetória de cidadão-jurista-mestre encurtou as distâncias existentes entre a beca e a toga, numa época em que o arcabouço jurídico supervalorizava uma e diminuía a outra. E mais grave ainda, porque não contava com legislação disciplinadora no nível da atual, inclusive com assento constitucional, com reais delineamentos de atribuições, garantias e imunidades personalíssimas.
    Ao mestre Nonato, em suma, aplica-se o que diz Guimarães Rosa: “A sabedoria é a arte de provar e degustar a alegria, quando ela vem. Mas só dominam essa arte aqueles que têm a graça da simplicidade. Porque a alegria só mora nas coisas simples”.
    O homenageado, mesmo antes do advento da CF/88 com os princípios da moralidade, impessoalidade e eficiência, já empregava, com firmeza, a dignidade nos seus atos, a meritocracia no lugar da fulanização das suas escolhas e a produtividade eficiente e econômica na máquina administrativa.
    Não precisou de leis de improbidade, do colarinho branco, antinepotismo, para agir com amor à coisa pública e respeito à dignidade democrática das pessoas.
    Raimundo Nonato Fernandes foi, desde cedo, um facho de luz como advogado público do Estado. Fez parte dos primeiros Procuradores a comporem o Departamento Jurídico, embrião da atual Procuradoria Geral do Estado.            Antes, não havia um órgão que integrasse a classe jurídica, operadora dos negócios administrativos do Estado. Havia advogados a serviço oficial, na Agricultura, na Fazenda Pública, nas Municipalidades. O governo Aluízio Alves foi o criador do Departamento Jurídico do Estado, que funcionou no Palácio do Governo – à época Palácio da Esperança – e depois Palácio Potengi, como era a sua denominação anteriormente. Nesse órgão jurídico, Raimundo Nonato Fernandes prestou relevantes serviços, mercê a sua competência comprovada em diversas áreas do Direito, mormente na esfera administrativa, área dessa ciência social aplicada, na qual foi docente universitário. Foi Chefe da Procuradoria Administrativa do então e mencionado acima Departamento Jurídico. Nesse, ele também atuou, na Procuradoria Judicial. Deixou de prestar outros serviços ao Departamento Jurídico, vez que se ausentou por duas vezes – Governo Aluízio Alves e início da gestão Walfredo Gurgel, para servir, no cargo de Consultor Geral do Estado. Ao tempo da Procuradoria Geral do Estado, ele nela permaneceu durante o Governo Cortez Pereira, já que Múcio Vilar Ribeiro Dantas o substituiu na Consultoria Geral. Depois retornou àquela Comissão, nos governos da chamada Era Maia: Tarcísio, Lavosier e José Agripino. Em todos deixou a sua marca indelével de idoneidade, zelo e competência jurídica.
    Sem dúvida, Raimundo Nonato Fernandes honrou com a sua presença valiosa e indispensável, na época, tanto o Departamento Jurídico quanto a Procuradoria Geral do Estado e a Consultoria Geral.
    A profícua vida do Mestre, protagoniza uma trajetória existencial, sob todos os aspectos, vivamente paradigmática e exemplar.
A sua obra é vasta, porém esparsa em revistas especializadas, jornais, Diários Oficiais (pareceres), em atas e arquivos de entidades culturais, em processos administrativos e em outras fontes.
    O Mestre insere-se no rol dos maiores e mais respeitados juristas brasileiros e que prestou imensuráveis serviços à Administração Pública estadual e ao ensino universitário. Em tudo, uma plenitude incontestável.
Entre os especialistas potiguares em Direito Administrativo – vivos – é, sem dúvida, o número um, o mais profundo, com aptidão natural, segurança e serenidade inigualáveis.
    Conquanto não tenha sistematizado em livro o seu imenso cabedal jurídico-doutrinário, nada tem a dever a administrativistas nacionais do nível e do quilate de um Diogo Figueiredo, Celso Bastos, Sérgio Ferraz e outros. Sobresai-se pela sua densidade jurídica, conhecimento vernacular, equilíbrio exegético, cultura geral, riqueza vocabular e emprego de frases e palavras fortes e convincentes. Uma performance inimitável!
Segundo as diferentes visões do Mestre Nonato, na ótica de eminentes jusfilósofos, pensadores e políticos potiguares, transcrevo a seguir trechos de alguns depoimentos:
    O Ministro aposentado do STJ e jurisconsulto José Augusto Delgado: “Raimundo Nonato Fernandes: exemplo de integridade, de professor, de advogado, de chefe de família e de servidor público... Sempre foi e é exemplo de dignidade para as gerações formadas no território norte-rio-grandense durante quase todo o século XX e a primeira década deste século XXI”.
    O Procurador do Estado, escritor e imortal de muitas Academias Jurandyr Navarro: “O Estado Potiguar teve sempre nele um guardião vigilante, em defesa do seu Direito e do seu Patrimônio como Procurador do Estado. Sempre prezou a ética no exercício da profissão. E a moral ilibada quando ocupou cargos públicos”.
A Acadêmica e Desembargadora Federal Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro: “Foi Procurador do Estado e Consultor-Geral, cargos que sempre desempenhou como forma de servir ao seu Estado, com o seu mérito, feito de cultura jurídica e dedicação”.
    O Senador José Agripino: “o Doutor Raimundo Nonato Fernandes foi o filtro da legalidade dos dois governos que eu fiz no Rio Grande do Norte”.
Esse gigante da ética e do trabalho sistemático é, também, um devorador de livros, desde os primórdios de sua vida. Na hora da leitura habitual, que permeou a sua infância e fase juvenil, ele se debruçava sobre livros de cunho moral, história, romances, filosofia e poesia.
    A presença obrigatória de clássicos escritores brasileiros e estrangeiros foram marcantes na sua sólida formação. Uma base fundamental aos seus vôos de hermeneuta e de jurisconsulto, tornando verdade o que dizia TOBIAS BARRETO: “quem só de Direito sabe, direito não sabe”.
    Para não perder o sadio hábito da leitura e do trabalho – ambos uma constante em sua missão terrena – reserva, ainda hoje, meio expediente ao seu escritório de advocacia para ler ou reler livros e processos, atualizar fichas e anotações.
    A história de vida e a obra do professor Raimundo Nonato Fernandes devem ser apreciadas através da abordagem de cinco vertentes indissociáveis: o homem, o advogado, o professor, o guardião da ética no serviço público e o intelectual. Nesta obra aborda-se as cinco, porém com pitadas implícitas ou explícitas de cada uma.
    O seu idealismo e a sua abnegada dedicação ao trabalho parece seguir o modus operandi de São Tomáz de Aquino, com seu lema de apóstolo incansável e firme: “trabalhar sem descanso, na senda de uma nobre causa”.
    O mestre, tem estilo próprio e trajeto profissional excepcional. Não é uma personalidade convencional.
Sabe-se, comumente, que alguns causídicos podem se tornar conhecidos apenas pela capacidade técnica. Outros pela capacidade estratégica. Entretanto, todos precisam de talento para alcançar notoriedade. Ultimamente muitos advogados têm obtido sucesso no exercício de cargos públicos, por defenderem bandeiras populares relevantes. O patrocínio de causas rumorosas por criminalistas, desde que eloqüentes tribunos, rendem publicidade e fama.
O Dr. Raimundo Nonato Fernandes, diferentemente desses lugares comuns, desfruta, há décadas, de projeção, respeito e prestígio entre os operadores do Direito e da Justiça, sem precisar valer-se de artifícios convencionais para tal.
    Suas idéias serenas, seu itinerário profissional ilibado e sua vida privada retilínea oferecem um paradigma, um norte, aos mais jovens advogados e aos gestores públicos que pretendam agir com ética e aprumo, sem perder as suas convicções pessoais.
    De fato, numa época em que a verdade é obscurecida pelo embuste, a liberdade pela traição, a retidão pela falsidade, a coragem pela covardia e a decisão pela tibieza, é preciso termos referenciais como Raimundo Nonato Fernandes que até parece seguir ipsis litteris o que prelecionava o inefável filósofo francês RENÉ DESCARTES: “é gratificante se lutar para ser o tipo de homem de têmpera de aço, que sem aspirar a glória, seja capaz de conquistá-la pelo labor honesto e pela coerência de atitudes; pelo elevado amor à causa pública, nobreza das ações e retidão de caráter”.
    Personagem ímpar do magistério superior e da advocacia pública e privada. Tudo que faz é por amor, sem jamais fugir aos seus princípios éticos e regras morais.
    O jurista incorruptível é, também, o pai de família generoso, terno e amigo.
Portanto, é complexo, senão impossível, traçar um perfil fidedigno da polifacetada obra do causídico, mestre e cidadão em referência, notadamente na abordagem de sua produção intelectual como articulista, ensaísta, jurisconsulto e pensador.
    Ninguém poderá escrever obra alguma sobre a administração estadual, a advocacia pública, o ensino jurídico ou relativo à advocacia privada sem mencionar, como um dos luminares dessas searas, o mestre nominado.
    A sua obra, é variada e densa, abraçando, com igual magnitude, a historiografia e a reflexão literária, com textos analíticos e orientadores. É, com certeza, o eterno mestre do Direito; cidadão e referência; o causídico retilíneo e o gestor probo; o advogado exemplar e o jurista de vanguarda. Enfim, o “Mestre do Direito e Paradigma de Dignidade”.

*O autor, José Adalberto Targino Araújo, foi idealizador, editor ,prefaciador e lançador do livro quando foi Procurador-Chefe do Centro de Estudos da PGE-RN e Presidente da Comissão Editorial Permanente da PGE-RN e então Presidente da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte.